Memórias do futuro LUCA FRESCHI 30.03 - 05.05.23
“Sabemos que o passado, o presente e o futuro já estão, minúcia por minúcia, na memória profética de Deus, na Sua eternidade; o estranho é que os homens podem olhar, indefinidamente, para trás, mas não para frente.”
O Relatório Brodie. Jorge Luis Borges
A emanação das memórias, a calma do esquecimento, as cicatrizes do passado.
Esses três elementos presentes na obra de Luca Freschi geram uma atmosfera de serena inquietação. Estamos perante uma encenação onde os diferentes objectos foram dispostos com um propósito. Neste cenário, o tempo fica suspenso, a obra permite ao espectador observar um microcosmo.
Tempo, memória e transcendência são algumas das questões que mais preocupam o ser humano desde o início dos nossos dias. Através da cerâmica e da terracota, Luca Freschi (Forlimpopoli, 1982) investiga essas questões e estabelece conexões entre passado, presente e futuro.
Nas suas obras encontramos uma grande variedade de elementos: peças anatómicas, moldes corporais, peças da sua própria criação, objetos recolhidos em recipientes...
Com as suas criações evoca a mitologia, a arte antiga e a cultura contemporânea, para explorar de forma plástica e conceptual a transitoriedade da vida. A sua capacidade de fundir iconografias de diferentes épocas e culturas permite-lhe criar obras que transmitem uma mensagem eterna que apela à intimidade e desperta emoções e memórias.
Vanitas é a sua série mais recente e uma síntese de todas as anteriores. Refere-se ao género artístico homónimo que se popularizou na Europa durante o século XVII e caracteriza-se por representar objetos simbólicos que aludem à transitoriedade da vida e à inevitabilidade da morte.
Nesta série mistura elementos da iconografia religiosa, fragmentos de cerâmica e figuras completas. Neles desempenha um jogo composicional onde o caos e a harmonia se unem, conciliando o ideal com a perfeição intrínseca da natureza, e ao mesmo tempo acentuando a necessidade de autoaperfeiçoamento inerente ao ser humano.
Séries de breviários que, tal como a literatura, se referem a um pequeno conjunto de ideias ou a um extrato de algo mais amplo, são um resumo de obras anteriores de maior complexidade em que a cerâmica liga classicismo e contemporaneidade.
Neste ciclo de estética pop, como noutras das suas obras, Luca destaca os objetos principais e a sua carga simbólica com elegância e determinação, promovendo o diálogo entre eles.
O corpo muda constantemente ao longo do tempo e o tempo deixa marcas inconfundíveis no corpo. A série Between traz essa dialética à tona: as memórias se alteram com o passar do tempo e a única coisa que resta são os vestígios do que já foi.
As cabeças são feitas em moldes. A pureza da superfície e o hieratismo das faces enfaixadas contrastam com a parte interna, onde encontramos uma explosão de cor que é visível através do espelho. A mistura de técnicas de diferentes épocas, neste caso a escultura e o gotejamento, - iniciada na década de 50 pela expressionista abstrata Janet Sobel e ampliada por Jackson Pollock; acompanha a poética de Luca ao constituir um objeto em que os aspectos formais foram transcendentais e estão ligados a diferentes momentos históricos.